Acasos

Catarina Catão
2 min readJun 11, 2024

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Faz uns dias que tem chovido muito aqui em Natal, e uma das árvores daqui de casa, a que mais tinha apreço, um pau-ferro, precisou sofrer uma poda drástica, logo em seguida, na semana passada — a qual iniciou com muita chuva, muito vento e dessa forma o pau-ferro mostrou-se arreando seus lindos os galhos lisos, altos, medianamente grossos em meio ao meu quintal. Me desesperei, chorei, me agoniei, ameaçei chamar os bombeiros e senti que fiquei com trauma. Moro numa casa de conjunto e há outras casas ficam próximas, assim um desastre era iminente e eu queria prevenir qualquer tipo de transtorno. No fim, precisei chamar um profissional com motosserra e levar o meu grande amor da flora à morte. Foi uma decisão muito difícil, me senti pressionada por todos os lados, pelo tempo, pelas reclamações, pelas indagações, pelo acaso. Chorei, chorei a semana toda, cada vez que olho para os troncos que não consegui me desfazer penso que não consegui salvá-la, que não fui inteligente o suficiente para plantá-la em um lugar seguro, que não pude fazer nada pra evitar isso, mas que está feito, ela vive na minha memória, como um santuário sagrado, como uma pessoa que viveu comigo, que me abraçou e me me fez muito feliz ao trazer os pássaros mais lindos que já vi pessoalmente.

Ano passado tomei uma decisão na minha vida, fui taxada de louca por fazer uma escolha que há muito tempo vinha relutando em não fazer. Larguei o trabalho de carteira assinada para seguir fazendo o que realmente importa pra mim, fazer o que acredito, fazer o que brilha no meu olho que é trabalhar com arte. Ao parar e direcionar a minha vida do jeito que eu escolhi, muita coisa mudou. Muito trabalho apareceu, não parei de trabalhar, ganhando pouco, mas trabalhando, vivendo de uma maneira que considero mais fluida e menos aperreada. Criar redes de apoio, entender como determinados ambientes funcionam, principalmente o da arte me fez refletir muito sobre como as coisas acontecem. Mudei de ares, fiz outras escolhas pessoais, faxinei a casa e a vida e entendi que o meu caminhar precisava de outro rumo, mudar a rota, se envergar da maneira que considero resistente, ancestral, intuitiva, apesar das praticidades que considero essenciais. Tudo que aconteceu não foi ao acaso, não mesmo, o acaso está para um tronco que cai no meio do meu quintal e eu não estou lá embaixo pra receber a lapada. Então compreendo que há coisas que acontecem pra evitar que outras aconteçam e a vida segue existindo, segue resistindo, e eu ainda posso plantar muitos outros pau-ferros, eu quero, eu vou, é uma meta na minha vida é poder plantar mais e mais e mais até nunca mais parar. Plantar árvores, plantar artes, plantar gargalhadas e colher os frutos.

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Catarina Catão

Artista visual em escritas figurativas dos paradoxos existenciais